sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

..:: A Dama das Cinzas, Branca de Neve ::..


Era a mais bela do reino e era então filha do rei, um rei justo e digno que tomara por esposa uma mulher de índole indigna.

Diziam que era uma feiticeira, diziam que era uma cortesão, tudo o que diziam sobre ela eram injúrias, mas o rei estava cego em sua paixão e seus ouvidos estavam surdos pelas batidas de seu coração.

Era a mais bela e bondosa e era a filha do rei e tinha por madrasta a mulher mais bela e maldosa que em pouco tempo enegreceu de tal forma o coração do bondoso governante e escureceu sua visão, transformando-o em um tirano que do alto de seu trono nada via além de sua esposa e sua filha.

“Era a filha do rei e deve ser morta” – pensava a mulher todo dia ao acordar, enquanto penteava seus longos cabelos dourados como ouro dos tolos e seus olhos cinzentos de tempestade encaravam ao espelho que lhe respondia com a mesma frase.

“É a filha do rei e é a mais bela e a mais bondosa...”.

Aquela frase enfurecia o coração da madrasta, que a princípio tentou ensinar à menina suas magias nefastas e encantá-la com o dom da dama da morte, mas que agora sentia a inveja crescer, pois sem enganar à morte, Branca de Neve tinha em seu rosto o brilho da vida que a tornava perfeita e a pureza em seu coração que a tornava intocada.

“Traga um caçador cruel, que em seu coração não haja nada além da ânsia por dinheiro e poder” – ordenou então aos guardas reais e trouxeram à madrasta o mais terrível caçador.

Suas roupas guardavam ainda o sangue de sua última vítima e em seu pescoço havia um colar cheio de presas afiadas de suas vítimas.

“Quero que mate um cervo, é puro e saltita pelos jardins do castelo, irrita-me ver sua alegria!” – a mulher lhe ordenou e então apontou para o espelho.

Refletido, o homem não viu sua caretonha, mas sim a jovem filha do rei que brincava entre flores e pássaros.

“Leve-a para o bosque, diga-lhe que irão apanhar uma família de coelhos para lhe fazer companhia e então me traga o coração nesta caixa. Quando eu tocar essa caixa o coração se transformara em ouro e essa será sua recompensa” – anunciou a mulher, fazendo o homem cruel sorrir.

Era a mais bela e era filha do rei cego pelas trevas e era inocente como os cervos que saltitavam pela floresta. As palavras do caçador fizeram-na saltitar rumo ao bosque e alegremente ela colhia flores para enfeitar à toca dos coelhinhos que buscariam.

“Acha que vão me amar?” – seus olhos azuis como os céus encontraram os olhos frios do caçador e ele se viu refletido neles e então ele viu toda a beleza da alma pura, pois não são os olhos o espelho da alma?

“Não haveria de ser de outro modo” – ele disse, desviando o olhar da pequena e então se forçando a pensar no coração de ouro.

Andaram ainda mais para dentro da floresta e agora Branca de Neve colhia frutos para alimentar à família de coelhos.

“Acha que gostarão das maçãs que estou colhendo?” – ela perguntou, erguendo entre as mãos brancas uma maçã vermelha, oferecendo-a ao caçador e este se surpreendeu. Ninguém havia lhe dado nada gratuitamente e mais uma vez seu olhar enterneceu-se sobre o rosto da jovem.

“Não haveria de ser de outro modo” – respondeu mais uma vez o homem e apanhou a maçã, devorando-a, sentindo o sabor doce da fruta em sua boca tão amargurada.

E assim prosseguiram o caminho, até que em determinado momento ela abaixou-se para encher uma cabaça com água e lavar o rosto. Estava de costas, despreocupada com o caçador, a quem julgava um companheiro, mas mal sabia que o homem lhe apontava uma flecha.

Ao encher a cabaça de água virou-se para oferecer ao homem um refresco, quando então se deparou com a seta mortal, apontada em sua direção.

Sua expressão encheu-se de pavor e seu coração acelerou-se dentro do peito. Por que aquele homem queria lhe ver morta? O que teria feito de errado?

“Perdoe-me” – ela exclamou, ainda de joelhos diante do caçador e então abaixou a cabeça – “Seja o que for que lhe fiz de mal, me perdoe!” – era doce e suplicante sua voz, mas a seta rasgou o ar em sua direção, atingindo então uma serpente que se pendurava nos galhos da árvore inclinada sobre o rio.

“Tome cuidado princesa, há cobras onde menos imaginava” – alertou-lhe o caçador, enquanto a cobra peçonhenta caía do galho dentro das águas do rio – “Há uma grande cobra em seu castelo e ela deseja seu coração de ouro! Fuja princesa, fuja enquanto os olhos de vidros de sua madrasta não a alcançam!”

Ao fim da tarde, tendo apanhado o coração de um cervo e colocado na caixa, o caçador retornou ao castelo ouvindo então os gritos da madrasta enlouquecida após constatar que aquele não era o coração verdadeiro e lhe explicar que não seria capaz de matar ao anjo daquele castelo.

“Inútil!” – ela bradou, tirando de uma parte secreta das saias do vestido uma varinha encantada, apontando-a em direção ao homem que se transformou em pedra.

“Terei eu que fazer o serviço!” – exclamou a mulher irada e sem prestar satisfações ao marido enlouquecido que ria sozinho em seu trono a madrasta saiu pelas portas do castelo, transformando-se então numa velha senhora que carregava com postura encurvada uma cesta com as mais lindas maçãs.

Sua intuição guiada pela bruxaria e por mil demoniozinhos, lhe dizia que estava Branca de Neve numa casa onde sete homens pequeninos lhe faziam companhia. Eram os Sete Anões, os sete anjos que guardavam àquelas terras onde a maldade jamais chegara.

Pois a bruxa esperou que aqueles anjos enterrassem suas asas dentro das minas e que cobrissem suas asas com as cinzas da porta do inferno para aproximar-se de seu santuário e arrebatar-lhe a princesa.

Ofereceu-lhe a mais bela das maçãs e, saudosa das refeições fartas de seu palácio, Branca de neve fincou seus dentes no fruto considerado a perdição dos homens.

Engasgou-se e envenenou-se, seu corpo sem vida tombando no chão do santuário dos anõezinhos, a fruta da serpente rolando de sua mão.

Ao retornarem, os anões perceberam que a Dama Negra rondava à casa e numa perseguição inútil tentaram lhe alcançar, mas mesmo que a perseguição triunfasse o mal já estava feito.

Fragilizados, retornaram então para à pequena casa perdida no bosque, ainda a tempo de encontrar a morte levando a alma de Branca de Neve pela mão.

“Espere!” – um deles suplicou e correu até a alma da jovem, segurando-lhe a mão etérea, olhando-a nos olhos sem brilho – “Pois não dissemos que não abrisse à porta? Que não comesse o fruto proibido?” – ele lhe perguntou.

“Perdoem-me, desobedeci às ordens daqueles que queriam meu bem, daqueles que queriam me salvar, porque senti fome e o fruto pareceu-me belo” – ela explicou, sua voz soando em mil e um arrependimentos – “Deveria ter feito o sacrifício, mas agora tornei todos os esforços daqueles que tentaram por mim algo em vão. Pobre caçador, deveria ter lhe entregado um coração de ouro. Pobre papai, eu não fui capaz de remoer o véu sobe seus olhos e nem sobre os meus!” – ela exclamou, um pequeno soluço escapando de seus lábios.

Os sete anões abaixaram suas cabeças, não mais precisariam de avatares para se esconder, tornando-se então nos Sete grande arcanjos. Falharam, os humanos não conseguiam ver a escuridão encoberta pela beleza.

Quando à Dama Morte partiu levando Branca de Neve, construíram então um esquife de ouro e cristal e guardaram ali o corpo da jovem. Na lápide dourada, as inscrições:

“Não tome por puro aquilo que é somente belo. Não tome por sorte o que é na verdade a mão de Deus”.

Agora todos que passam pela floresta e pelas ruínas daquela casa onde a beleza e a pureza moraram por um dia choram ao se lembrar dos dias de glória de um reino que não mais existe, pois os anjos abandonaram aquele lugar e seu rei estava cego, deixando tudo nas mãos da inveja doentia de uma mulher que não conseguia compreender o que era amor verdadeiro.

Um comentário:

  1. Está muito bem feito esse conto, como tudo o que você escreve. Gostei do estilo e do tema, diferente e original. Conseguiu reescrever a história de uma maneira bem diferente da original, mas mantendo um encanto diferente. Parabéns

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