sábado, 18 de fevereiro de 2012

A Fera sem beleza...


A porta estava entreaberta e o vento escapava por ela, assim como a alegria que um dia preencheu aquele lugar.

A chuva caía forte pela floresta, sobrepondo qualquer som, sobrepondo qualquer criatura que ousasse sair e enfrentá-la, mas isso não a intimidou.

A cada novo passo de Bela sua capa encharcada tornava-se mais pesada enquanto ela deixava o castelo da Fera para trás, tomada por uma suposta onda de loucura, pois todos sabiam que no instante em que Bela partisse tudo estaria perdido, mas ele não suportava mais prendê-la, ele não suportava vê-la sob sua própria maldição.

A chuva transformou-se em tempestade e o vento agora escancarara a pesada porta do castelo e o último calor da presença de Bela foi varrido no instante em que todas as velas do salão se apagaram.

Como se perseguisse à Fera, o vento subiu pelas escadas, passou por corredores e encontrou o antigo cavaleiro ao lado de uma janela.

em frente a ele havia um espelho e ao lado do espelho uma rosa vermelha.

Seu longo caule verde enegrecia aos poucos, a medida que o vento avançava para dentro do cômodo, a medida que as cortinas batiam com mais força, lançadas para dentro pela tempestade, molhando o chão, molhando a cama que um dia guardou um casal enamorado, molhando o quadro de uma princesa que jamais acordaria novamente, não importava quantas vezes seu amado a beijasse.

Um trovão rugiu, o raio iluminando o quarto totalmente, fazendo a besta se encarar em seu espelho encantado que partiu perante sua horrenda imagem. O som do vidro rachando e se estilhaçando correu por todo o castelo, levando consigo as últimas esperanças daqueles corações que ainda ansiavam pela presença de Bela. Ela se fora, as almas deles se quedariam ali para sempre, presas pela eternidade.

Assustados, os pobres empregados ainda correram escadaria acima, esperançosos de que ainda houvesse uma chance, mas assim que entraram no quarto de seu antigo amo viram que a rosa já havia enegrecido por completo.

Um calafrio correu por cada corpo que havia naquele quarto e apenas um deles ousou olhar o que aqueles cacos de vidro espalhados refletiam.

Não havia dúvidas, mesmo que houvesse se passado tantos anos, aquele cavaleiro deitado na escuridão era seu antigo amo e agora não vestia mais seu corpo de Fera. Frágil, encolhido no frio que a morte lhe trouxera, parecia não saber que estava sendo observado.

Seus lábios clamavam pelo nome daquela que o abandonara e que não tivera compaixão por ele, mas ele a compreendia, afinal quem poderia amar uma besta?

O pobre empregado estremeceu ao ver seu amo tão desesperado e afastou-se atordoado, no mesmo instante em que Bela aparecia à porta.

Seu rosto estava lívido e seus olhos já não tinham nenhum brilho, sua presença não trazia mais calor.

Em seus braços havia um buque de rosas vermelhas cujo os espinhos feriam-lhe a pele frágil, mas ela não parecia se importar.

Já não vestia mais a capa, não havia do que se proteger dentro daquelas muralhas, não havia mais o que proteger dentro dela. Tardiamente ela percebeu que seu amor estava naquele lugar que ela deixara.

Ela se aproximou dos cacos de vidro e então deixou o buque cair sobre eles, mas as pétalas tornaram-se enegrecidas no instante que tocaram o vidro que aprisionava a besta.

Seu peito encheu-se de dor ao ver a beleza de seu príncipe presa onde ela jamais poderia alcançar. Então aquele era ele?

Por um breve instante Bela vislumbrou sua imagem, seus olhos cheios do pecado que a cegou e não deixou que ela visse a beleza que a Fera trazia por dentro. Num ato de loucura, apanhou um dos cacos de vidro e antes que qualquer um a pudesse impedir cortou seus pulsos, deixando que seu sangue cobrisse todas as flores destruídas.

Soluços desesperados escaparam de seu peito e ninguém foi capaz de tirá-la de sobre os cacos que formavam a imagem de seu amado.

Seu sangue cobriu cada pedaço do espelho, unindo-os, cobrindo-os, mas não haveria sangue ou flor que trouxesse ele de volta. Não havia mais nada a ser feito.

Enterrando o sacrifício inútil e o amor amaldiçoado, as paredes do castelos começaram a tremer, como se a terra quisesse partir e engolir aquela tristeza de sua superfície.

Em vão os empregados tentaram fugir, mas seus olhos e suas mentes guardariam para sempre aquela tristeza, portanto não deveriam ser poupados, aquela história não deveria mais ser contada.

O castelo desmoronou antes que qualquer um chegasse às suas portas enterrando para sempre a tragédia do casal que não soube ignorar seus olhos e nem amolecer seus corações. A Bela e a Fera estariam unidos pela eternidade, mas cada um estaria de um lado diferente do espelho.

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